terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O singular Edimilson de Almeida Pereira




Breno Lacerda

Edimilson de Almeida Pereira é uma voz singular na literatura brasileira contemporânea. Mineiro de Juiz de Fora, filho de trabalhadores, de origem humilde, que desde muito cedo começou a trabalhar para ajudar a família, Pós-doutorou-se em Literatura Comparada pelo Seminário de Línguas e Literaturas Românicas da Universidade de Zurique (Suíça). Fez doutorado em comunicação e cultura, mestrado em literatura e em ciência da religião, especialização em literatura portuguesa e licenciatura em Letras. Atualmente, é professor titular da Faculdade de Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora.
A busca das raízes afro-brasileiras é perceptível na obra poética e infanto-juvenil de Edimilson Pereira, uma vez que ele tematiza, com preferência, questões de identidade étnica. A preocupação em manter viva a memória cultural de seus ancestrais faz com que o poeta seja uma espécie de griot, aquele que numa cultura oral, como a africana, conserva a memória coletiva.
Oliveira e Silva, no artigo intitulado Edimilson de Almeida  Pereira, um cantopoeta no mundo, descrevem assim a arte deste escritor mineiro:

é um poeta de versos refinados, apesar de utilizar temas cotidianos e folclóricos, mas que rompe com as amarras do convencionalismo, deixando seus versos fluírem no tempo e ritmo da memória.” O universo metafórico criado por ele, pode, a um primeiro momento, assustar o seu interlocutor, pois esconde uma série de verdades veladas, que só mesmo um leitor de “olhar armado” é capaz de decifrar. Através do jogo de lembrar-esquecer, ele consegue, dentro de sua obra poética, revisitar várias passagens de sua vida íntima, ao mesmo tempo em que viaja com os Arturos e tantas outras famílias.(   )

Nos temas cotidianos, Edimilson adentra o passado “catando” pedaços de lembranças para recompor suas origens primeiras. Essa marca fará as vezes de fio-condutor entre a lírica e a pesquisa, mostrando o Edimilson poeta e o Edimilson pesquisador, por traz disso um visível desejo de se re(conhecer) enquanto cidadão representante de uma coletividade sofrida e, muitas vezes, marginalizada, conforme descreveram  Oliveira e Silva.
Os poemas de Edimilson estimulam leituras diversas nas quais as identidades sociais e culturais se apresentam como fenômenos de constante  transposição. A sua obra traz vozes não de indivíduos, mas de grupos que, ainda  hoje, como no caso  dos  Arturos, fazem sobreviver uma cultura transplantada para o Brasil a partir da diáspora.
Em alguns de seus livros, Árvore dos Arturos & Outros poemas (1988),  por exemplo, a temática repercute as pesquisas de Edimilson  sobre as negras raízes mineiras. A religiosidade popular,  herança  cultural  legada a Edimilson por Minas Gerais, é uma constante em seus poemas.
Sabemos que a sociedade constrói e firma sua identidade através da valorização e retomada constante do passado, quer seja ele mitológico, histórico ou, principalmente, religioso. Edimilson recupera a memória coletiva religiosa fazendo com que a literatura torne-se, neste caso, veículo de transmissão da sabedoria ancestral.
A obra poética do escritor revela certa intenção dele em registrar e analisar o multifacetado universo religioso brasileiro e, ao resgatar essa  memória social,  reforça  a identidade cultural afro-brasileira.    Em outro momento, Edimilson traça bem claramente, em Caderno de retorno (2003), por exemplo, sua trajetória biográfica, buscando na infância e na família um espaço de aprendizagens sobre a vida.  Através das experiências de sua mãe, podemos observar o retrato uma sociedade brasileira.
Embora a herança cultural afro-brasileira tenha espaço privilegiado na poesia de Edimilson Pereira, há espaço privilegiado também para a palavra. Assim, dialogam palavra e memória cultural em seu fazer poético. Segundo Barbosa (2002), para Edimilson “as palavras e suas múltiplas significações, como água ou vento em constante movimento, são geradas pela potencialidade existente no infinito fluxo e  refluxo de significados e no ludismo polissêmico das palavras faladas e escritas.”
Conheçam alguns dos belos poemas de Edimilson:

Na casa da palavra

os homens que falam poeira cadê sua miséria 
comentam o motivo de falarem poeira cadê 
sua miséria.
Poeira cadê sua miséria não é só poeira cadê 
sua miséria: mas o ovo de outras coisas.
Os homens que falam poeira cadê sua miséria
se vestem de poeira cadê sua miséria. Eles se 
conhecem desde-o-ó-do-mundo pela música 
que poeira cadê sua miséria faz neles.
O modo de falar poeira cadê sua miséria deixa 
a língua no sal.
Os homens que falam poeira cadê sua miséria 
treinam de usá-la. E nunca repetem o que dis-
seram no camaleão poeira cadê sua miséria. 

  (Do livro: O homem da orelha furada)


Capelinha


Ao Adão Pinheiro

Os negros estão chegando
com seus tambores: silêncio.
Os negros cantam velados.

Os Arturos estão chegando
com seus lenços azuis: silêncio.
Os Arturos cantam velados.

Os negros estão chegando
com seus padroeiros: silêncio.
Os negros têm nomes velados.

Os Arturos estão chegando
com seus santos: silêncio.
Os Arturos têm deuses velados.

Os negros Arturos com seus
tambores sagrados. Silêncio,
estão cantando calados.

Os negros Arturos com seus
terços de contas. Silêncio:
são mil negros guardados.

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